Interessante a notícia da BBC:

“Desastres naturais mataram 220 mil em 2008”. (texto completo aqui)

A medida, na verdade, é o rombo que uma seguradora teve: nada menos que “cerca de US$ 200 bilhões (aproximadamente R$ 475 bilhões) em 2008, bem acima dos US$ 82 bilhões (R$ 195 bilhões) registrados em 2007”. E mais interessante ainda é o fato do grupo afirmar “que as mudanças climáticas estão agravando o poder de destruição dos desastres naturais e diz que um acordo sobre o clima é urgente”.

Certo, certo! Já ouvia, desde criança, que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Hipocrisia dessa empresa à parte, o fato é que parece que a natureza está descobrindo por onde se vingar.

O maior sinal, no entanto, está no fato de que o número de “catástrofes” diminuiu: de 960, em 2007, para 750 em 2008, segundo contabilizado pela seguradora. Onde está, então, o problema?

Em 2008 Santa Catarina veio, literalmente, abaixo. Em qualquer site ou retrospectiva jornalística é possível rever, senão todos, quase todos as 750 catástrofes.

O problema é que a ação destruidora humana é irreversível, assim como a reação da natureza, também destruidora. O homem destroi a natureza para construir seu mundo; a natureza, por sua vez, destroi as construções humanas e mostra, com isso, que só existe um mundo, o seu mundo.

Queiramos ou não, a guerra final entre os homens e a natureza já começou. Não importa, para a natureza, que os homens se matem no Oriente Médio ou em qualquer parte da Terra, ou seja lá por que razão façam isso. Importa que ela sabe que sobreviverá, segundo os cânones da ciência, por no mínimo mais cinco bilhões de anos.

Não importa, para a natureza, se viverá apenas de pedras, feito Marte, ou de gases, feito Júpiter. Continuará sendo natureza. Biodiversidade é um conceito temporal. Depende de que época estamos falando. A biodiversidade no tempo dos dinossauros é tão diferente da biodiversidade dos tempos primitivos, quanto é da atual e será da futura. A dinâmica da natureza é tão dinâmica que muda conforme o “ser” predominante. Nosso fim foi decretado quando adquirimos aquilo que nos fez pensar sermos “superiores”: a inteligência (entendida, aqui, como conceito que nós mesmos inventamos).

Junto com a inteligência adquirimos, também, a incrível capacidade de pensar que somos eternos. Criamos religiões, crenças, filosofias – ou seja lá que nome se queira dar – que criaram rituais que nos dizem isso. Que nos fazem pensar que não pertencemos a esse mundo. Daí podermos destuí-lo! Afinal, depois da morte teremos a vida eterna.

A quem, então, queremos “salvar” fazendo a nossa parte, se somos eternos? À natureza? Não creio! Ela não precisa de nós. Não precisou para existir por cinco bilhões de anos e não precisará pelos próximos.

Não há como salvar a natureza (que, repito, não precisa de nós para continuar existindo) se não salvarmos a nós mesmos.

Primeiro por acabar com a ilusão da eternidade. Seja aqui, seja no reino dos céus. Segundo, por entender que, assim como dinossauros e tantas outras espécies que por aqui já tiveram seu tempo, o nosso um dia acabará. O máximo que podemos fazer é prolongar esse tempo, mas não eternamente. Terceiro, por entender, finalmente, que a única coisa que podemos fazer – e aí reside, quem sabe, o sentido de “fazer a sua parte” – é buscar uma vida saudável para cada um de nós e para os nossos descendentes.

Como genealogista amador, que já descobriu antepassados nos idos de 1600, me pergunto: será que eles imaginavam como seria o mundo ao tempo da minha vida, tanto quanto eu tento imaginar como será a vida dos meus descendentes daqui a 400 anos? (e olha que já cataloguei mais de mil descendentes, nesses 400 anos, desse único casal de seres humanos! Será que nos mesmos 400 anos eu terei, também, mil descendentes?)

Não faço a minha parte por defender a natureza, mas por defender, quem sabe, uma existência digna para essas prováveis mil pessoas. E se cada um de nós tiver mil descendentes para defender?

“O homem é a medida de todas as coisas”. Nada mais certo e nada mais errado. Errado, quando nos tornou o que somos; certo, quando nos faça ver que é a nós que devemos preservar. Infelizmente, pensamos quase que somente na preservação do patrimônio. Passamos a vida trabalhando para “adquirir” bens e depois deixá-los para os nossos descendentes. Todo um sistema moral-jurídico-econômico foi construído pela humanidade somente para a preservação do “ter”. É recente a possibilidade de defesa jurídica do “ser”. E mesmo assim voltada apenas para uma compensação material.

E é desse sistema que deriva outro. Ou melhor, esse sistema precisa que outro funcione a sua imagem e semelhança: o sistema educacional. Sistema institucionalizado pelo estado e pelas religiões, filosofias, seitas, etc. As religiões, por sinal, fariam um grande serviço à humanidade se parassem de prometer vida eterna lá fora e buscassem mostrar que devemos ter, ao menos, ou pelo menos, uma vida digna aqui mesmo. E vida digna aqui mesmo significa uma coisa muito simples de ser feita: comunhão com a natureza.

Então, adianta querer fazer a sua parte?

Adianta se pensarmos que o que mais esse modelo tem nos roubado é o tempo. O pouco tempo que temos, se comparado ao tempo que a natureza tem. O pouco tempo que temos para fazer as “pequenas” coisas que siginficam o “fazer a nossa parte”.

Pensamos que o que mais nos faltará é a água, mas na verdade nossa maior falta é o tempo. Água é uma questão meramente econômica, tempo é uma questão de vida. E reproduzo, aqui, os sábios versos do Eclisiástes:

“Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu.
Tempo de nascer,
tempo de morrer;
tempo de plantar,
e tempo de arrancar a planta.
Tempo de matar,
e tempo de curar;
tempo de destruir,
e tempo de construir.
Tempo de chorar,
e tempo de rir;
tempo de gemer,
e tempo de bailar.
Tempo de atirar pedras,
e tempo de recolher pedras;
tempo de abraçar,
e tempo de se separar.
Tempo de buscar,
e tempo de perder;
tempo de guardar,
e tempo de jogar fora.
Tempo de rasgar,
e tempo de costurar;
tempo de calar,
e tempo de falar.
Tempo de amar,
e tempo de odiar;
tempo de guerra,
e tempo de paz.

Que proveito o trabalhador tira de sua fadiga? Observo a tarefa que Deus deu aos homens para que dela se ocupem: tudo o que ele fez é apropriado ao seu tempo. Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que o homem possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim.” (Bíblia de Jerusalém, Eclesiastes, 3, 1-11).

E eu diria, como desejo para 2009:

Que a natureza possa ter seu tempo de nascer e seu tempo de morrer, e que possamos ser apenas seus cuidadores e não seus algozes;

que possamos plantar e arrancar as plantas na única medida da nossa irmandade com a natureza;

que possamos utilizar a natureza para curar a todos os que padecem e não apenas para matar em proveito de lucros;

que possamos chorar e rir de alegria e não de tristeza por ver a devastação da natureza;

que bailemos com o murmurar das árvores ao vento e não com o gemer das árvores que caem pelas nossas mãos;

que possamos atirar pedras apenas em lagos, para fazer felizes nossos filhos, e que possamos recolher pedras apenas para construir nossa sobrevivência;

que tenhamos a sabedoria de abraçar a tantos quantos passam por nós, pois do abraço nasce o querer; e que a vida nos ensine a separar a estupidez que destói a natureza da sabedoria que nos faz perceber unos;

que possamos buscar a harmonia da vida e que possamos perder a arrogância que nos faz sentir superiores;

que possamos guardar a flor seca entre as páginas de um livro e não apenas jogá-la fora quando pensarmos que não mais nos serve o presente;

que possamos rasgar as roupas da hipocrisia e que possamos costurar o manto da sinceridade;

que jamais calemos diante da nossa destruição e que possamos falar, sempre e enquanto tivermos voz, contra tudo e contra todos os que querem ver o fim da natureza;

que tenhamos tempo, mais do que simplesmente o tempo, para amar; amar uns aos outros. Não porque Deus assim o fez, mas por entender que só assim realizaremos a plenitude da natureza; e que possamos ter, com naturalidade, ódio de tantos quantos destróem a natureza pura e simplesmente por egoísmo;

que tenhamos paz em nossos corações para evitar as guerras.

Por fim, não saberia desejar outro 2009.

Mas de uma coisa eu sei: que 2009 seja um tempo de

amar,
falar,
costurar,
guardar,
buscar,
abraçar,
recolher pedras,
bailar,
rir,
construir,
curar,
plantar,
nascer.

Talvez isso seja fazer a sua parte.

FAÇA A SUA PARTE em 2009.

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyFaça a sua partePara pensarInteressante a notícia da BBC: 'Desastres naturais mataram 220 mil em 2008'. (texto completo aqui) A medida, na verdade, é o rombo que uma seguradora teve: nada menos que 'cerca de US$ 200 bilhões (aproximadamente R$ 475 bilhões) em 2008, bem acima dos US$ 82 bilhões (R$ 195 bilhões) registrados em...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!