Da série “Crônicas” – II: De mulheres e lasanhas
Mulheres e lasanhas são semelhantes em tudo. Até no fato de que o prazer está mais em prepará-las. Não que comer uma bela lasanha não dê prazer, mas é que o tempo de aproveitamento é muito maior na fase de preparo. Em ambos os casos, sem dúvida, tudo depende de quem prepara.
Há os que prefiram usar temperos prontos. Cebola, alho e tudo o mais só de “potinho”. São os adeptos da coisa rápida e sem trabalho. Tratam as mulheres como se fossem “miojos”. Não conhecem o prazer de cortar a cebola e o alho. Não sabem que para cada tipo de comida existe um tipo de corte diferente. Alegam falta de tempo, ou, pior ainda, que “deixa cheiro”. O mais importante, é que é na fase de preparo que podemos sentir a textura das diversas partes ou, no caso da lasanha, dos ingredientes.
Faça o molho.
Escolha uma cebola do seu tamanho e gosto. Não importa se mignon, se loira, alta ou gordinha. Descasque a cebola e corte-a em rodelas finas. Faça devagar sentindo a resistência que a cebola oferece. Sinta o perfume. E não evite o choro. Chorar é bom para a saúde e amolece qualquer mulher. Após, corte cada rodela em pequenos pedaços. Descasque o alho e corte-o em pequenas rodelas transversais. Em seguida, corte em fatias longitudinais, sempre sentido a textura. Perceba que é diferente da cebola que você acabou de cortar. Para que o alho não grude nos dedos, molhe-os, os dedos e o alho, antes do corte. Tome um banho antes. E sinta, também, o perfume do alho.
Lembre-se a cada instante: a cebola e o alho são como as roupas. Cada peça tem sua textura; cada uma o seu perfume, dependendo de onde está encostada no corpo. Por isso, usar cebola e alhos prontos é a mesma coisa que já encontrar a mulher pelada na cama. Perde a graça. Uma mulher sem ao menos a calcinha – de algodão, como já dissemos alhures – é como sopa pronta: só serve pra quebra-galho de esfomeado.
O azeite de oliva é fundamental. É a pele. Um bom azeite de oliva é uma pele macia, aveludada, com perfume próprio. Portuguesas, espanholas, italianas, gregas, escolha o azeite de sua preferência. Roupa e pele devem “casar”, assim como a cebola, o alho e o azeite casam na frigideira. Coloque azeite o suficiente para sentir suas mãos escorregando levemente sobre o corpo; quer dizer, o suficiente para causar arrepios na cebola e no alho. Pingue aos poucos, em movimentos circulares, rodeando a frigideira, de fora para dentro. Acenda o fogo. Mas fogo brando, meus caros, fogo brando, senão queima o alho.
Um grande crime cometido contra as mulheres, isto é, contra a culinária, é o uso de molhos de tomate prontos. Sujeito que tem preguiça de cortar um, dois ou meia dúzia de tomates deveria ser enquadrado na Lei Maria da Penha. Melhor, nos crimes hediondos. Use sem tirar as sementes, pois tirá-las seria o equivalente a tirar as unhas da mulher. Elas gastam um tempo enorme da vida fazendo as unhas para nos dar prazer; e os tomates, fazendo as sementes, para nos dar saúde. Se Deus quisesse que os tomates não tivessem sementes, teria feito as mulheres sem unhas.
Acrescente pimentão verde bem picadinho. É outra textura a ser experimentada, além do toque que dá ao molho. Mulheres tem especial prazer em colocar um pouco de perfume no colo. O problema não é a mãe, é o pimentão, diria Freud, freudianamente. Deixe que ela perceba que esse é o único momento em que elas nos têm: o pimentão no molho. Recoste-se por uns instantes no colo, entregue-se.
Cozinhe em fogo brando. Fogo brando, meu caro. Não tenha pressa, aproveite para ir provando aos poucos. Dos pés à cabeça. Passe as mãos pelos cabelos. Elas gastam um tempo enorme da vida fazendo os cabelos para nos dar prazer. Coloque quatro dedos na nuca; apóie o dedão no pescoço; suba em fogo brando rente à cabeça, com os dedos em meio aos cabelos. Aproxime o nariz da panela e não esqueça de dizer o quanto esse cheirinho de cebola e alho está atiçando o seu apetite. Faça isso com naturalidade e o dedão, com certeza, vai passar por trás da orelha. Nesse momento estamos quase nos “finalmente” do nosso molho. Acrescente pimenta e experimente alguns outros temperos: canela, noz moscada, manjericão ou algo mais exótico de vez em quando. Só não fique no papai e mamãe por medo de errar. Será sempre preferível um molho forte a um insosso. Lembre-se e jamais esqueça: para toda comida salgada, sempre há uma batata; para todo homem insosso, sempre há um ricardão. Coloque sal e vá experimentando. Mas cuidado, não fique só experimentando. Há um momento em que o fogo deve ser levantado para o cozimento final, a apoteose. Do molho, claro!
Monte a lasanha, ou, se preferir…
Massas, sejam de que marcas forem, não passam de farinha com água ou ovos e sal. Assim como batata é batata, seja frita, cozida ou purê. Carne é carne, só muda o bicho. Ponto. O molho é o sabor de tudo. Se você não dedicar tempo, atenção e carinho para fazer o molho, pode até fazer a massa em casa (“tudo o que você não fizer em casa, algum ricardão há de fazer na dele”) que sua lasanha não passará de um amontoado que se desmanchará na hora de servir, tipo essas de restaurantes.
Monte em camadas alternadas. Primeiro você em cima, depois uma de queijo mussarela. Um pouco de molho e outro de beijos. Vá alternando as camadas e, por fim, sempre deixe a massa por cima. Massas adoram ficar por cima. Ficam tostadinhas quando sentem o calor do forno. Se você é do tipo que gosta de miojo, controle-se e não ponha tudo a perder.
Leve ao forno. Forno brando, meus caros, brando.
Por fim, você, como eu, não é um richard gere, um george cloone, ou qualquer coisa que a mídia vende pra elas como grandes comedores de lasanha, mas quer um conselho? Seja apenas um Garfield. Mostre que você é o único gato do mundo que gosta de lasanha. Em especial dessa lasanha que você acabou de preparar.
Sirva.
Mesa posta e cama arrumada? Não tenha dúvidas: coma primeiro a mulher. É rapidinho. A lasanha merece ser saboreada com muita calma, mais ainda depois do trabalho que deu para fazer. E depois pode fumar seu cigarrinho em paz: ambas já esfriaram.
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