Conferência de Copenhague (COP-15): uma história que até hoje não deu certo! – XXV: a balança ou a espada?
Themis, para os gregos (Iustitia para os romanos), era a titânide que representava a Justiça. Uma balança na mão esquerda e uma espada na direita (a venda nos olhos é coisa da modernidade: uma tentativa, ainda presente, de representar algo que nunca existiu: a imparcialidade dos juízes e dos que lidam com o Direito).
A COP15 está decidindo entre a balança e a espada!
Leiam a “Carta do Zé, agricultor, para Luís, da cidade”(*):
“Luís, quanto tempo!
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o
transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo?
Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé
mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo… hehehe, era eu.
Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite,
e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite
De madrugada pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu
só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês Não
que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro… Só que
acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade.
To vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo
o meio ambiente.
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive
que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os
matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode
fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas
um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da
água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve
ser verdade, né Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né …) contratei Juca,
filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário
mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num
quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram
umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que
se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora
extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as
vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô,
bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche
tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama,
só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender
no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra
ter luz boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer
parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa,
desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas
leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que
ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado.
Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem
fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite
às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o
carro da cooperativa pega todo dia,isso se não chover. Se chover, perco o
leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância
do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha
que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do
rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de
digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu
sozinho ia demorar uns trinta dia pran fazer, mesmo assim ele ainda me
multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as
telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez,
por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas
básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também
pagam multa grande né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água
do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo
protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar
no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios
ai da cidade. A pocilga já acabou as vacas não podem chegar perto. Só que
alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio
limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato
agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então,
Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava
morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair
por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no
Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim
fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e
ninguém apareceu pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da
casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi
uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foram
os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a
20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco
o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida
da ecologia.. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha,
não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que
a lei é pra todos.
Eu vou morar aí com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro
da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio
eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e
só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a
geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha,
nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha,
fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta em papel reciclado pois não
existe por aqui, mas aguarde até eu vender o sítio.
**(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados
verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o
quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural
e o meio urbano.) * **”
(*) Recebi o texto de Serrano Neves, pelo grupo de Educaçao Ambiental.
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