2001-1

Afinal, ser de direita é algo tão ruim assim?

Afinal, dizer-se de “centro” é algo tão ruim assim?

Afinal, ser de esquerda é algo tão bom assim?

Até bem pouco tempo, não. Não para as três perguntas. Não era ruim ser de direita, dizer-se de centro ou ser de esquerda não era algo bom.

O que mudou, então?

Não foram os conceitos. Esquerda e direita sempre foram o que são.

Se olharmos a alegoria dos macacos, em 2001 Uma Odisseia no Espaço, veremos que naquele tempo começou a diferenciação entre a esquerda e a direita. Entre os que, pela força bruta – e mais tarde pela força do Direito – reservaram para si o mundo e os que pensavam em partilhar o mundo entre todos.

E o mundo segue polarizado, a par dos que insistem em defender que não existe mais esquerda ou direita. Grande babaquice desses poucos, sabemos.

Ser de direita, historicamente, é ser o macaco que descobre que um fêmur pode ser utilizado como arma para dominar os semelhantes e submetê-los a um regime de expropriação. A expropriação de algo básico: a capacidade de subsistir por suas próprias forças; a expropriação da dignidade.

O desenvolvimento da cultura humana nada mais foi, ao longo desses milhares de anos, do que a criação de modos de ser que permitiam, a uns, o direito de expropriar e, a outros, o dever de se sentir culpado por desejar pertencer ao primeiro grupo. Deus foi criado para defender a tese dos primeiros.

Ao longo desses milhares de anos, tentar partilhar o mundo sempre foi considerado algo ruim, algo a ser combatido. De simples povos de coletores-caçadores, passando por bruxas e chegando aos trabalhadores urbanos do século XVIII em diante, todos deveriam ser ou dizimados – como buchas de canhão em guerras, como soldados – ou submetidos a um regime que os tornasse cada vez mais dependentes.

Deus e o Direito não foram suficientes para aplacar essa necessidade de entender o mundo como compartilhamento. A Economia nasce como ciência para substituí-los. Dois novos conceitos surgem: a escassez e o mercado.

Interessante observar que o conceito de escassez surge – como pedra fundamental da economia e do sistema capitalista – justamente em uma época em que não havia, faticamente, escassez de absolutamente nada no mundo. A escassez é o fêmur da modernidade, que deu aos novos macacos um novo poder, o poder do mercado.

Isso é ser de direita: é acreditar que Deus, a Economia de Mercado e o Direito que a protege são a máxima criação humana. Para complementar e fechar o sistema com chave de ouro, criaram o conceito de que todos podem deixar de ser expropriados, desde que apresentem condições para tanto. E a condição para isso foi a Educação. E criaram um modelo de educação que, na verdade e até hoje, só faz privilegiar os expropriadores.

Ser de esquerda representa a história dos expropriados. Significa ver o mundo como sendo um mundo que pode e deve ser para todos e não apenas para uns poucos. Simples assim.

Ser de esquerda é compartilhar o mundo. E não é preciso um Deus, um Mercado ou um Direito para que as pessoas sejam de esquerda. Simples assim.

Por isso ser de esquerda sempre foi algo ruim. Porque bate de frente com o ser mesquinho que Deus, o Mercado e o Direito desenvolveram nos seres humanos ao longo da história.

De tudo isso, não existe nada pior do que “dizer-se de centro”. Afinal, ser de centro significa louvar a Deus, ao Mercado e ao Direito e, ainda assim, acreditar que pode compartilhar. É a pior das espécies de incongruências que um ser humano pode apresentar: defender que é possível conciliar o individualismo com o compartilhamento.

Só existem duas formas de ser: ou queremos tudo para nós (ser direita), ou queremos tudo para todos (ser esquerda. E só para constar: cada um de nós faz parte do “todos”).

Afinal, o mundo não é escasso, Deus não existe e o Direito, sabemos, só protege quem acredita no Mercado.

 

 

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoAfinal, ser de direita é algo tão ruim assim? Afinal, dizer-se de 'centro' é algo tão ruim assim? Afinal, ser de esquerda é algo tão bom assim? Até bem pouco tempo, não. Não para as três perguntas. Não era ruim ser de direita, dizer-se de centro ou ser de esquerda não era...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!