Um crime perfeito
Uma segunda situação: cidadão, proprietário de pequena gleba de terras às margens de um grande rio, resolve construir ali uma casa para “veraneio”. Começar por desmatar as margens do rio (matas ciliares). Nesse meio tempo, é descoberto e chamado pelas autoridades a assumir um compromisso de não prosseguir com o desmatamento e com a construção da casa, sob pena de ser acionado na Justiça. O cidadão assina o termo, volta para suas terras e…? Constrói a casa.
Descoberto novamente e questionado pelas autoridades da razão pela qual desrespeitou o compromisso assumido, responde: – ah! Nunca aconteceu nada, porque justo agora iria acontecer?
O primeiro caso, apesar de fictício, é muito provável. O segundo caso é verídico. O que impediria esses sujeitos de fazer isso? Ou, dito de outra forma, o que os faz se comportarem dessa maneira? O que há de comum nessas pessoas?
A resposta para a primeira é a crença em alguns valores estabelecidos pela humanidade como fundamentais para a convivência harmoniosa entre os seres humanos. A resposta para a segunda e terceira perguntas, diferentemente do que se poderia pensar, não é a falta desses valores, mas a existência de um outro: a impunidade.
Pode parecer estranho, pois, em si, impunidade não é um valor; ou não era, até bem pouco tempo. Mas tornou-se um valor e um valor amplamente transmitido justamente por aqueles que deveriam “zelar” para que isso não acontecesse.
O que tudo isso tem a ver com o meio ambiente? Tudo! A certeza da impunidade tornou-se um valor corrente entre aqueles que degradam a natureza. E poucas são as ações dos órgãos governamentais para mudar esse quadro. E o que deve ser feito para mudar essa situação?
Duas ações: investimento em fiscalização e educação ambiental. É sabido que os órgãos encarregados da fiscalização do cumprimento da legislação ambiental são “pobres”, isto é, não possuem a infra-estrutura necessária (pessoal, material e equipamentos) para realizar suas atividades que, no mais das vezes, cobrem extensas áreas. O governo brasileiro, união e estados, investe muito pouco nessa área. Mas a fiscalização atinge apenas o que está feito ou, no máximo, evita algum problema maior.
E fiscalização, por mais eficiente que seja, poderá mudar apenas o comportamento das pessoas, por medo da punição. Mais, certamente cessada a causa, cessará o efeito. Assim que o proprietário da terra perceber que a fiscalização deixou de atuar, ele voltará a cometer ações degradadoras. Por quê?
Porque o que realmente importa mudar são as crenças e os valores dessas pessoas e não o comportamento. Mude-se as crenças e os valores de alguém e esse alguém mudará o comportamento. Bem sei que o senso comum considera essas palavras como sinônimas. è importante, no entanto, diferenciá-las para que se possa atingir o cerne da questão que são as crenças e os valores, que fazem parte da atitude e não do comportamento das pessoas.
E crenças e valores só se muda com educação. Aqui nos deparamos com dois problemas: como pessoas que não possuem determinadas crenças (por exemplo, a crença de que faz parte da natureza) ou valores (por exemplo, o valor de que preservar a natureza é algo bom para todos) podem transmitir essas crenças e valores, levando-se em conta que cabe à família, primordialmente, a educação das crianças?
Por outro lado, o que esperar de um sistema educacional falido? Tomados os resultados do último Enem (notícia), recentemente divulgados, podemos inferir que, se os alunos não sabem muita coisa, é porque os professores ou não sabem também, ou não sabem ensinar. Como fazer, então, se sequer os conteúdos tradicionais são ensinados ou aprendidos de forma satisfatória, para transmitir crenças e valores capazes de formar uma geração de novos seres humanos, de seres humanos “ecoconscientes”?
Por fim, segundo estudo publicado no final de 2006, pelo Instituto Mundial de Pesquisa de Desenvolvimento Econômico, da Universidade da ONU (Wider-unu, na sigla em inglês), 2% das pessoas possuem a metade da riqueza do mundo. Uma das caracteristicas apontadas no estudo, é que nos países em desenvolvimento (incluindo o Brasil) esses ricos são majoritariamente proprietários de terras que utilizam para agricultura e pecuária, isto é, atiividades sabidamente contribuidoras para o aquecimento global.
Como fazer para mudar as crenças e os valores dessa gente que, repito, tem a metade da riqueza do mundo? Senão mudarmos, de um jeito ou de outro, o crime continuará a ser perfeito.
Imagem: Beija-flor (Silfo-da-cauda-longa). Foto de Luis A. Mazariegos para a National Geographic.
https://www.escosteguy.net/um_crime_perfeito/educação ambientalPara pensar'Sou dono de uma garagem por onde passam, diariamente, algo em torno de 200 automóveis. A maioria deles permanece o tempo suficiente, alguns o dia todo, para que eu possa tirar, de cada um, apenas um litro de gasolina. Se fizer isso apenas uma vez por mês, não preciso...Luiz Afonso Alencastre Escosteguy [email protected]AdministratorEscosteguy
Não havia atentado para o detalhe da formação dela no post. Em todos os casos, o tema continua válido…
Afonso, acabas de abrir um belo debate! A Dilene é ferrenha defensora da EA. Veja o post dela abaixo : A IMPORTÂNCIA DE UMA EDUCAÇÃO VOLTADA PARA O MEIO AMBIENTE, neste nosso blog!abraço, garoto
Dilene,Gracias pela participação. Sem dúvida que não pretendi generalizar. É o pecado que cometemos ao escrever, ou falar, sem ficar, a todo momento, lembrando das inúmeras exceções.Não se trata, aqui, de “bons ou maus profissionais”, mas, sim, de profissionais que, eles também, já tiveram uma formação precária. Hás de convir comigo, que nos últimos vinte anos (para não ir além) o ensino profissional da educação também anda muito aquém do necessário.Não é uma crítica à classe, mas ao sistema, ao governo. A abnegação ainda é a mais importante qualidade dos educadores, mais ainda quando lembramos do que ganham pelo que fazem…De qualquer sorte, um problema existe. Veja, no caso da EA: há todo um aparato legal e mesmo assim a situação segue piorando, sinal que a EA, da forma como vem sendo tratada, não está surtindo os efeitos desejados. Não sei que disciplina ensinas, mas te pergunto: incorporas os conceitos ambientais nela? Tiveste algum preparo oficial para tanto? Deves ter, pelo teu interesse, mas isso tem a ver com a tua forma de ver o mundo. Parece ser muito mais pessoal do que oficial. Será que os demais vêem assim?Siga participando e debatendo conosco. (E desculpa o jeito…)
Afonso, entendo o seu ponto de vista e, consequentemente, sua indignação porém, discordo veementemente quando você diz “se os alunos não sabem muita coisa, é porque os professores ou não sabem também, ou não sabem ensinar”. Saio em defesa de excelentes profissionais que, acredite, são maioria. Educar é um ofício e cada vez mais os educadores têm se capacitado, seja por exigência do empregador ou por sua realização pessoal. É obvio que, como em todas as profissões há maus e bons profissionais e com a educação não é difeente. Mas, vale lembrar duas coisas:a primeira é que a educação é um processo lento, que cada indivíduo tem um tempo de aprendizagem e que os resultados só aparecem a longo prazo. A segunda é que para que um aluno tenha sucesso na escola, é necessário uma ação conjunta entre a instituição, a família e o próprio aluno. Se um desses parceiros falha, por omissão ou por qualquer outro motivo, o processo fica comprometido e pode estar fadado ao fracasso. Um grande abraço.Dilene Machado
Silvia,Há um excelente site especializado nisso (dentre muitos, claro). Lá, vais encontrar um monte de links, uma revista eletrônica só sobre EA, um glossário, definições de educação ambiental e um grupo de discussões (do qual faço parte) muito bom. Vale a pena conferir.O endereço é: http://www.apoema.com.br/Seja bem-vinda ao grupo. E lembre-se: qualquer texto estará à altura. O mais importante não é o texto mas, sim, a participação. bjs
Afonso, quanto ao tema da educação pública, acredito que os resultados devam-se a alguns fatos, entre eles a avaliação diferenciada na rede particular e pública. Nesta, o aluno vai “progredindo” e há uma certa pressão para a não retenção do aluno na série. Isso gera um desinteresse por parte do aluno que sabe que será promovido. Ao passo que no ensino particular ele terá de conquistar uma média pra passar. Vivo as duas realidades e não podemos fazer muita coisa. E ensino exatamente igual, eles não aprendem porque não estudam. é a certeza da aprovação (impunidade)… Os alunos da particular são aprovados porque têm a média, e os da pública porque uma política de não exclusão os ampara. Uma lástima!Tenho feito a minha parte, mas onde a Lei manda, eu fico travada. e se reter muitos alunos o professor é pressionado, e por aí vai…Ainda acredito que a consciência ou a mudança de comportamento deve começar na família. ELa deve estimular e valorizar o que é correto e adequado pra viver numa sociedade. Se o aluno não quer e a família não criou hábitos e valores, fica muito difícil…abraço, garoto
Caro D. AfonsoÉ exatamente isso: impunidade. Mas é interessante que não é só a impunidade jurídica que assola o Brasil, mas é também a flacidez moral de algumas (muitas) pessoas. O problema repousa no imediatismo com que parte da sociedade age – aquele velho chavão do “tempo é dinheiro” – então, com isso, o cidadão esquece do tempo biológico e do tempo geológico. No caso específico da natureza ela passa a ser vista como um “supermercado de recursos” inesgotável. Basta ver quantas pessoas ainda lavam suas calçadas e carros com mangueiras desperdiçando litros e litros de água. Eu já falei uma, duas, três vezes, mas não acontece nada. Afinal, elas pagam pela água e assim podem usá-la como bem entenderem. Eu acredito nossas autoridades são lenientes demais com relação aos crimes contra a natureza, entretanto, não podemos esquecer que parte da crise também é moral. São as opções que cada um de nós fazemos que poderão (ou não) mudar a maneira de como encaramos nossa relação com a natureza.Um abraço,Ricardo Safra, estudante de Geografia
Afonso, eu tenho grande interesse nesse tema de educação ambiental. Queria montar um programinha para apresentar nas escolas, voluntariamente. Você tem material sobre o assunto?PS: Virei parceira de vocês aqui no blog, a convite da Ana Paula Calabresi. 🙂 Quando conseguir um tempo e um texto à altura, farei minha estréia.
Excelente texto e amendrontador, também. Continuo dizendo o que disse nos comentários de um post anterior daqui- a bondade é a única saída. Num planeta tão injusto onde vários países não possuem a mesma oportunidade que outros, só a bondade da alma de alguns (provavelmente os 2%) é que vai nos salvar. Olha só onde mora o perigo…