Retrospectiva 2014 – XIII: o caso Bombinhas, ou no Brasil toda moeda já nasce com mais de duas faces
Bombinhas começará, mo próximo dia 20, a cobrar a TPA – Taxa de Preservação Ambiental (aqui)
Como tudo em 2014, esse é mais um tema polêmico, com o já tradicional bi-partidarismo (no caso, o termo se refere a tomar partido e não a partido político) se manifestando. As posições são claras: se há governo, sou contra; se há governo, sou a favor.
(tema visto no facebook do amigo Rafael Rheiner)
Primeira face: a questão jurídica
A questão, ao que se sabe (aqui), já está sob análise do Ministério Público para apontar a constitucionalidade ou não da lei que criou a taxa. A questão é complexa, pois assim como o artigo 145, inciso I, da CF88, diz que os municípios poderão instituir taxas “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuintes ou postos a sua disposição”, também diz, no artigo 150, inciso V, que é vedado aos municípios “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.”
Como se vê, a TPA obedece e contraria, ao mesmo tempo, os dois dispositivos constitucionais.
De um lado, a municipalidade coloca à disposição da população que frequenta Bombinhas diversos serviços de conservação ambiental que custam aos cofres públicos, pelos quais poderia cobrar, a par da questão da característica de serem ou não divisíveis, posto que, no caso, é difícil individualizar o quantum que cada pessoa contribui para o gasto municipal.
De outro lado, restringe a livre circulação de pessoas ao estabelecer taxa que, na prática, restringirá o acesso aos mais pobres que, embora tendo seu “carrinho”, não terão como arcar com mais essa despesa (o que nos remete à segunda face).
A questão parece ser juridicamente complexa e qualquer coisa que se diga corre o risco de parecer mero achismo. Envolve opiniões que vão desde o município já cobra impostos e taxas o suficiente para cobrir as despesas do caso (principalmente no que se refere à limpeza das praias) até as que alegam que só conservamos quando dói no bolso.
É provável que o Ministério Público, diante da complexidade e da possibilidade (real) de prejuízo à sociedade, ingresse com cautelar pedindo a suspensão da aplicação da lei até julgamento do mérito.
Segunda face: vai quem quer ou vai quem pode?
Talvez a questão mais complexa, a meu ver, do caso: o limite do direito de ir e vir quando se trata de espaço público. É um campo vasto para a emissão de opiniões de boteco. Vai quem quer, dizem uns, e se quer é porque pode pagar. Se não pode, vai para outra praia.
Na situação dessa opinião, é possível perguntar: e se todas as prefeituras de cidades praianas resolverem seguir o exemplo? Já imaginaram o Rio de Janeiro cobrando pedágio para entrar em Copacabana? Em Ipanema?
E se as lindas Cumbuco e Lagoinha, no Ceará, fizerem o mesmo? Vamos mais longe: e se as prefeituras das praias do Rio Grande do Sul – naturalmente desprovidas de atrativos e algumas comumente frequentadas pela população desprovida de poder aquisitivo para frequentar as praias “mais bonitas” – resolvessem copiar o modelo?
Os gaúchos, como todos sabemos, vai para a praia por qualquer outra razão que não o mar ou a paisagem (exceção a Torres): vai tomar chimarrão (pasmem: gaúcho toma chimarrão em plena praia) com os amigos, vai tomar cerveja, comer milho verde, fazer churrasco, caminhar de um lado para outro, de vez em quando entrar no mar, e, claro, olhar as gaúchas de biquini, pois com um clima que faz frio nove meses do ano, só é possível praticar esse esporte nos poucos três meses de calor.
Ficarão os gaúchos impedidos de ir e vir porque um prefeito (e seus vereadores) resolveram cobrar TPA?
Terceira face: a questão ambiental
Embora importante, essa questão “já deu!”. O mundo já está “careca” de saber que não é esse o caminho. Ter que pagar para ter banheiros químicos, mais lixeiras ou gente recolhendo o lixo não resolve a real questão: somos um povo de cultura historicamente destrutiva. E leis não mudam cultura. Mesmo porque, também – e em maior grau – somos um país de uma cultura de fazer “leis que não pegam”.
O que menos importa, na questão, é a preservação do ambiente. Lixo na praia não polui. Basta um sistema público de limpeza eficiente (para o qual já a população nativa já paga) e nada acontecerá ao ambiente.
Resta analisar se os nativos devem arcar com tributos para bancar a limpeza (conservação do ambiente) da sujeira deixada pelos veranistas (e, mais ainda, os veranistas estrangeiros).
Nesse caso, devemos recordar que os empreendimentos privados (setor de hospedagem, por exemplo – mais uma face) cobram diversas taxas de seus clientes. E, na sua totalidade, transfere para o poder público a obrigação de lidar com os dejetos…
A face ambiental me parece de somenos importância, em relação à tantas outras…
Quarta face: a sanha arrecadatória e perda de receita
E por falar em cultura, somos, aceitemos ou não, um país de cultura arrecadatória. Fomos educados pela exploração da Corte. Deixamos de ser colônia de Portugal para sermos colônia de nós mesmos. Impostos, para os governantes, nunca tiveram o sentido de contrapartida, sempre foram benefícios dos abastados que devemos cumprir.
A questão é que entre a descoberta do Brasil e o Império, por exemplo, tivemos 389 anos. Cada prefeito dura 4, no máximo 8 anos.
E se valer a hipótese de vai quem pode, o prejuízo para todos, comércio e serviço, será incalculável. E o troco que a prefeitura pretende cobrar, perderá em impostos.
As faces são tantas, que não hesito em classificar essa lei de absolutamente ignorante. Fruto de um país que está perdendo seu referencial.
(imagem da notícia lincada)
https://www.escosteguy.net/retrospectiva-2014-xiii-o-caso-bombinhas-ou-no-brasil-toda-moeda-ja-nasce-com-mais-de-duas-faces/O ChatoBombinhas começará, mo próximo dia 20, a cobrar a TPA - Taxa de Preservação Ambiental (aqui) Como tudo em 2014, esse é mais um tema polêmico, com o já tradicional bi-partidarismo (no caso, o termo se refere a tomar partido e não a partido político) se manifestando. As posições são...Luiz Afonso Alencastre Escosteguy [email protected]AdministratorEscosteguy