Em tempos de revisão quase que unilateral do Plano Diretor de Porto Alegre, é bom saber que o IBGE realizou, em setembro passado, o I Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas do Brasil (aqui).

Um dos tópicos importantes foi a “a realização de uma plenária que teve como objetivo debater e propor uma nova nomenclatura para substituir o uso do termo aglomerado subnormal já nas bases e materiais de divulgação do Censo Demográfico de 2022″.

A esse respeito, reproduzo trechos do artigo da professora da FAUUSP e coordenadora do LabCidade – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da FAUUSP, Raquel Rolnik (texto completo):

E por que é absolutamente crucial rever este nome/conceito/marca? Vejamos a natureza da constituição dos territórios em nossas cidades, que tem como marco de planejamento urbano apenas um único modelo. No caso, um modelo ocidental, europeu, branco, patriarcal, baseado na propriedade privada individual e na terra e imóvel como mercadorias que, na prática, consagrou as formas de organização e vínculos com o território produzidas pelo mercado corporativo e seguidas pelas elites e classes médias como as únicas formas legítimas de morar e organizar o habitat.

A esta forma são destinadas as melhores localizações na cidade, através dos planos diretores, zoneamentos e demais regramentos e normativas que definem as formas de morar. Em que qualquer outra forma de ocupação do território, que não a hegemônica, é, portanto, residualizada, estigmatizada e não legitimada.

Ainda,

Isso marca, claro, uma precariedade e fragilidade física e material desses territórios, mas, sobretudo, o modo de funcionamento da economia política da cidade que ali define uma espécie de cidadania subalternizada, que fundamenta formas de exercício do poder excludentes e discricionárias. Não à toa, os perímetros definidos como fora da norma e subnormais são também aqueles ocupados por sujeitos marcados para morrer (por que a polícia entra atirando nas favelas?), por bairros permanentemente ameaçados de desaparecimento e remoções e que negociam com o sistema político a cada eleição sua permanência e consolidação.

É essa população a primeira invisibilizada no momento em que uma nova infraestrutura se constrói sobre eles, sem qualquer tipo de compensação, e que fica eternamente demandando investimentos públicos, porque a cidadania nesses territórios é um verbo no gerúndio e os direitos de seus moradores precisam sempre ser renegociados todos os dias, mediados por um jogo político construído para manter tudo como está.

Porto Alegre, como se pode ver, anda e seguirá andando, se aprovado o Plano Diretor apresentado pela consultoria estrangeira contratada pela prefeitura, na contramão do conceito de cidade inclusiva que valoriza a dignidade dos seus habitantes.

Repito: “um modelo ocidental, europeu, branco, patriarcal, baseado na propriedade privada individual e na terra e imóvel como mercadorias que, na prática, consagrou as formas de organização e vínculos com o território produzidas pelo mercado corporativo e seguidas pelas elites e classes médias como as únicas formas legítimas de morar e organizar o habitat.

Qualquer semelhança com Porto Alegre não é mera coincidência. Esse é exatamente o projeto em curso há alguns mandatos: territórios produzidos pelo mercado corporativo que, inclusive, financiou a campanha do atual prefeito e candidato para o próximo mandato. Com uma única intenção, claro, a de terminar o que começou nesse: entregar Porto Alegre.

E, pior ainda, a revisão do Plano Diretor deve ser apovado pela Câmara Municipal. E essa, sabemos, tem sua maioria comendo nas mãos do prefeito e do “mercado corporativo”.

De nada adiantará o IBGE mudar o nome da categoria com que classifica os territórios residualizados, estigmatizados e não legitimados. A realidade das populações que neles habitam não mudará. Continuarão a ser ocupados por sujeitos marcados para morrer.

https://www.escosteguy.net/wp-content/uploads/2023/09/bairro-mario-quintana.jpghttps://www.escosteguy.net/wp-content/uploads/2023/09/bairro-mario-quintana-150x150.jpgLuiz Afonso Alencastre EscosteguyE aí, PrefeitoAglomerados Subnormais,FAUUSP,Labcidade,Plano Diretor,Porto AlegreEm tempos de revisão quase que unilateral do Plano Diretor de Porto Alegre, é bom saber que o IBGE realizou, em setembro passado, o I Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas do Brasil (aqui). Um dos tópicos importantes foi a 'a...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!