Passagem dos transportes coletivos, sociedade e o conceito de “res publica”
Já dizia Cícero, “Bem público é o bem do povo”, “res publica, res populi“. (De re publica, livro primeiro, XXV-39)*
A res publica é toda e qualquer coisa do povo, coisa pública, partilhada por todos e sem dono específico. É, também, o bem do povo no sentido de que a sociedade existe para proporcionar o bem comum. Não deveria haver outro sentido para a formação de sociedades e, embora estejamos longe, na prática, de termos a res publica como o centro da vida, algumas coisas deveriam receber tratamento especial.
É o caso do transporte público. Em recente notícia (19.02.2015) no jornal Sul21 (“Fortunati sanciona aumento e passagem de ônibus passa a custar R$ 3,25 em Porto Alegre“) lemos algumas manifestações que, se lidas com cautela, apresentam contradições.
É o caso, por exemplo, da manifestação do representante da Uampa (União das Associações de Moradores de Porto Alegre), Getúlio Vargas, ao comentar sobre a parcela de 35% do preço das passagens que é devida às isenções que o poder público concede a certas categorias de pessoas. Diz ele: “O poder público que propõe e são legítimas as categorias que tem isenção, mas a conta não pode ser paga pelo usuário. Se fosse retirado este valor ,a tarifa poderia ser, com o reajuste proposto hoje, de R$ 2,12 e não R$ 3,25”.
O “poder público” é uma das espécies do gênero res publica. É uma res publica que existe para administrar as demais. Deve ser entendido que o poder público não concede isenções ao seu bel prazer. Todas as isenções são derivadas de lei e, portanto, feitas pelo povo e para o povo. Afinal, todos poderão gozar das isenções em alguma oportunidade da vida: ou meia entrada, quando estudante, ou gratuidade, quando já na “idade de ouro”.
A proposta do representante da Uampa significaria a transferência do ônus para o orçamento da prefeitura. Ou seja, para toda a população, dado que todos pagamos os impostos municipais incidentes sobre a prestação de serviços (incluído, aí, o ISS que está na passagem), a maioria paga IPTU (seja por ser proprietário ou locatário de bens imóveis) e outros o ITBI.
Parece ser uma ideia que visa ao bem comum. Mas não é!
Há uma parcela dos habitantes de uma cidade (e que não é pequena) que não é usuária de transporte coletivo, ou é apenas ocasionalmente. E por que não é?
Pela simples razão de que o transporte coletivo, na atual condição, não é uma res totalmente publica. Tivéssemos um sistema de transporte público de qualidade e na quantidade necessária (incluindo linhas suficientes para atender as transversalidades), com certeza poucos seriam os que se utilizariam de automóvel para se locomover cotidianamente. Automóvel é muito mais caro que ônibus: garagem, IPVA, seguro, manutenção…
Mas o que temos em Porto Alegre?
Corredores de ônibus que sequer foram concluídos e já estão sendo refeitos por falhas técnicas e de supervisão/aceitação de qualidade. Ônibus sem ar condicionado, em uma cidade que no verão é conhecida como Forno Alegre. E no inverno com um frio “de renguear cusco”.
Infelizmente o representante da Uampa perdeu uma grande oportunidade de realmente propor um transporte público como uma res publica: transporte totalmente público, com tarifa zero.
O sistema tarifa zero já foi amplamente divulgado e a demonstração da sua viabilidade amplamente aceita.
A questão é que nem poder público atualmente é uma res publica, como está nas mãos dos empresários de transporte, que bancam as campanhas políticas.
Enquanto não tivermos um transporte coletivo que todos queiram usar, que sigam os usuários pagando pelas isenções. A sociedade dos usuários.
(Imagem “gentilmente copiada” da reportagem do Sul21)
* Citação do livro “Ética, Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno”, de Fábio Konder Comparato, p. 616)
https://www.escosteguy.net/passagem-dos-transportes-coletivos-sociedade-e-o-conceito-de-res-publica/O ChatoJá dizia Cícero, 'Bem público é o bem do povo', 'res publica, res populi'. (De re publica, livro primeiro, XXV-39)* A res publica é toda e qualquer coisa do povo, coisa pública, partilhada por todos e sem dono específico. É, também, o bem do povo no sentido de que a...Luiz Afonso Alencastre Escosteguy [email protected]AdministratorEscosteguy
Pois é caro Escosteguy…compartilho tua opiniao, ha muito tempo. dias desses discutia com um fiscal de uma empresa publica de transporte, e disse que a tarifa nao deveria existir. Ao que ele retrucou: mas como, e da tarifa que sai o salario do pessoal! (claro que os custos de menutencao tambem, bem entendido…) contra-argumentei ser flacioso o seu raciocinio, haja vista que as empresas privadas cobram a mesma tarifa, tem as mesmas manutencoes, e o mesmo pessoal, e um numero bem maio de onibus em relacao a Carris. Fiz o cidadao ver que alem de todos os encargos, parcela da tarifa compunha o lucro do empresario. Ou seja, que naquela empresa publica, tambem deveria haver lucro, mantidas as proporcoes. Entao como empresas publicas nao visam lucro, nem prejuizos a priori, nesta empresa poderia ser menos ou ate zero a tarifa, que o salario do pessoal, ainda assim estaria garantido. Perdi meu tempo.O cidadao em questao, nao conseguia entender a logica da coisa publica. Isso esta tao arraigado na populacao, que nao se dao conta de muitas coisas. Uma delas e o sentimento de publico.Dee bem publico. Como pracas e parques, que por aqui foram vendidos pelo prefeito de plantao, para grandes empresas, a troco de conservacao, e de ostentarem seus logotipos poluentes visualmente pelos espacos, outrora “publicos”. Quanto a conservacao, esqueça…isso era so uma boa intencao antes da assinatura dos protocolos.abracos