sinaleira

Porto Alegre conseguiu algo inédito, ao menos nesses 45 anos que moro aqui, com a questão do tempo para pedestres nas sinaleiras: a cidade, mesmo que a fórceps, vê-se diante da necessidade de discutir a mobilidade urbana.

As discussões até agora eram pontuais e sempre foram pautadas pela primazia do uso privado em detrimento do uso compartilhado. A questão envolve até um aspecto cultural dos mais arraigados na população mais abastada: o direito de andar sozinho em seus automóveis e de ter as vias a sua completa disposição.

Resumindo, pra quem não conhece a história: a Câmara de Vereadores aprovou o chamado Estatuto do Pedestre com uma emenda prevendo que o tempo mínimo para pedestres em todas as sinaleiras deveria ser de 30 segundos. Foi o que bastou para iniciar uma quase terceira guerra entre os porto-alegrenses. Disposto a testar as consequências da implantação da nova sistemática, o prefeito determinou a realização de testes em sinaleiras de grandes avenidas.

E fez-se o caos! Ou melhor, piorou o caos já existente no trânsito de Porto Alegre. Aumento do número de automóveis associado a grande quantidade de obras viárias (antes ditas para a Copa) há mais de dois anos transtorna os cidadãos, sejam eles pedestres, usuários de transporte coletivo, ciclistas, motociclistas, carroceiros (que ainda circulam) e, não menos, os que andam de automóvel.

A briga, no fundo, parece se resumir entre duas ideologias: (1) a que defende o privilégio para o uso público/compartilhado, considerando que Porto Alegre deveria ser uma cidade mais humana, ambientalmente mais saudável, mais respeitadora dos direitos humanos, notadamente da população de deficientes e dos idosos e, (2) a ideologia privatista que privilegia o transporte individual como foco das políticas públicas de transporte, isto é, transito é para carros e, quicá, para ônibus. Faz parte dessa segunda ideologia a forma como a municipalidade trata a questão do transporte público.

Os grupos e seus analistas/especialistas/pitaqueiros engalfinharam-se em renhida batalha. O prefeito, em raro momento de lucidez política, declarou que vai vetar a emenda e que determinará que sejam feitos estudos pontuais de necessidade de alteração no tempo das sinaleiras.

Em tese, uma declaração absolutamente desnecessária, pois essa é a função da prefeitura. O que o prefeito disse nada mais foi do que “vamos seguir fazendo o que sempre fizemos”.

A diferença? A diferença não está no prefeito, mas no fato de que, agora, o tema está exposto às cobranças que serão feitas. O porto-alegrense acordou! (parodiando o “o gigante acordou”, das manifestações de junho).

Os porto-alegrenses, por força de uma triste emenda, tomam conta de que existem e são o povo desta cidade. E de que a solução dependerá somente do envolvimento de cada um. E aí entramos na principal questão:  o porto-alegrense é muito, mas muito mal educado. Motoristas não respeitam nada; pedestres não respeitam nada. Os agora em moda, os ciclistas, não respeitam nada. Faixa de segurança é algo muito bonito feito para para em cima. Tem uma faixa bem na frente da minha casa. Todo santo dia tenho que brigar com motoristas (de ônibus, de automóveis e de motocicletas) para poder atravessar a rua. E, sem exceção, sou xingado quando cobro que estão onde não deveriam estar.

Minha filha, que está no 3º ano fundamental, tem aulas de educação para o trânsito. Quando está no carro, aponta tudo o que vê de errado. E não me deixa fazer nada de errado. Ou, quando faço, aponta o dedo e diz: papai, tu sabe que fez errado, por que tu fez isso?

Ela está aprendendo que, mais importante que carros, pedestres, ônibus, ciclistas, etc., o mais importante é que cada um compreenda o significado de cumprir as leis. E já temos leis que regulam a questão das sinaleiras.

Está lá no CTB: em faixas de segurança a prioridade é absoluta para o pedestre. Logo, não importa o tempo que alguém leve para atravessar uma sinaleira: é dele o direito supremo de fazê-lo como pode, ressalvados, por óbvio, os casos de visível abuso do pedestre.

No centro de Porto Alegre foram instaladas sinaleiras conjuntas: para veículos e para pedestres. O que se vê é um festival de desrespeito por parte dos pedestres. Atiram-se sobre os carros, mesmo com o sinal fechado para si, e ainda reclamam quando os automóveis passam. E também vemos motoristas buzinando e ameaçando “passar por cima” de pessoas que já estavam na travessia quando houve a troca de sinal.

Um dado alarmante e que também contribui: não há sequer um único “azulzinho” nessas esquinas para fazer cumprir a lei, que inclusive prevê multa para o pedestre que não respeitar o sinal.

Repito: o porto-alegrense é o povo mais mal educado para o trânsito que conheço. E a cidade menos preparada para a fiscalização da lei.

É, sem outra possível expressão, o caos. Ninguém respeita nada e nem há fiscalização.

E sequer vou colocar aqui a questão da infraestrutura. Avenidas de grande circulação com estacionamento permitido em ambos os lados; ruas que deveriam ser duplicadas e não são… essa parte daria, por si, um livro…

A verdade começa a aparecer: Porto Alegre nunca se pensou como mobilidade. O último grande pensamento nesse sentido foi a criação dos corredores de ônibus. Fora isso…

Mobilidade urbana é algo muito maior que 30 segundos em sinaleiras; é algo que inclui ideologias, mas as extrapola.

Mobilidade urbana é a alma de uma cidade. É o que a faz existir. Que alma queremos que Porto Alegre tenha?

 

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoPorto Alegre conseguiu algo inédito, ao menos nesses 45 anos que moro aqui, com a questão do tempo para pedestres nas sinaleiras: a cidade, mesmo que a fórceps, vê-se diante da necessidade de discutir a mobilidade urbana. As discussões até agora eram pontuais e sempre foram pautadas pela primazia do...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!