Cotas, cláusulas de barreira e o fim da picada.
De fato, caminhamos, em vários sentidos, para o fim da picada onde o Brasil pareceu se meter com a redemocratização pós-ditadura civil-militar de 64. O penúltimo passo está sendo dado pela Câmara dos Deputados ao aprovar, na CCJ, o parecer do relator pela admissibilidade da PEX 116/2011, de autoria dos deputados Luiz Alberto e João Paulo Cunha.
A PEC prevê cotas para parlamentares negros.
Cotas para negros e índios em instituições de ensino são justificáveis, pois existe uma cláusula de barreira imposta por séculos para essas populações. É uma barreira concreta: quem não teve alimentação e condições adequadas para se desenvolver e estudar, com certeza tem uma chance quase zero de passar em um vestibular de faculdade pública e zero de pagar uma faculdade privada. Havia que romper essa cláusula. Não entendo isso como um resgate histórico, como muitos têm justificado. Aceito e acho justo por ser uma barreira presente e cruel hoje.
No outro caso, para ser um representante de alguma parcela do povo não há barreira alguma. Basta recordar o maior exemplo já produzido por esse país: LULA. Desnecessário desenhar.
Estamos chegando a uma perigosa situação no Brasil. Sob a desculpa de um resgate, estamos perdendo o rumo do que seja a democracia. O próprio texto da lei permite confusões na interpretação. O parágrafo 2º, por exemplo, diz que “§ 2º Cada eleitor disporá de um voto específico para as eleições destinadas a preencher as vagas reservadas a parlamentares oriundos da população negra.”
A palavra “disporá” já permitiu interpretações, a meu ver, erradas. É o exemplo da notícia veiculada no site da RBS: “O texto da PEC 116, de 2011, determina que o eleitor destine, além do voto às demais vagas, um voto específico para o preenchimento da cota.”
A PEC não “determina que o eleitor destine”, apenas diz que “disporá”. Isso significa, salvo melhor juízo, que posso optar por votar, além do meu candidato natural, em mais um, desde que pertencente à lista dos negros apresentada pelos partidos.
Mas isso até não importa muito. O que importa é que a PEC rompe um princípio constitucional fundamental de que, se o voto tem “valor igual para todos” (art. 14, caput), a representação também o tem! Todos podem se candidatar e todos podem votar, com as exceções previstas e plenamente justificáveis. E que são exceções que dizem respeito tão somente a situações que podem ser apenas conjunturais na vida de um cidadão: ser analfabeto é algo que pode ser resolvido ; ser inalistável também. E aos analfabetos sequer é proibido o voto.
O que não se pode admitir é abrir um buraco no pano constitucional para vazar anseios de duvidosa legitimidade. Podemos estar a um passo da exigência da obrigatoriedade de que, para presidente da República, tenhamos que votar em algum negro tão somente por sê-lo.
A proposta fere de morte a democracia. E há de se perguntar ao autor, um negro, se ele precisaria de cota para ser o que é: um deputado federal!
E vale a leitura da “Justificação”. Uma pérola!
É o fim da picada!
– texto da PEC:
– Notícia e imagem:
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