Afinal, o que é “pensar a cidade”?
Antes de responder a pergunta do post anterior, “a quem cabe pensar a cidade?” é importante tentar, ao menos minimamente, delimitar, definir o que seja “pensar a cidade”.
Como escreveu Murray, a deliberada confusão entre a urbanização (urbe) e a cidade (civitas, corpo político de cidadãos livres) ocasionou o declínio da cidadania. Mas de qual cidadania estamos (ou estava Murray) falando?
Certamente não era da moderna redução do conceito de cidadania como direito e exercício do voto, como prega nossa Constituição e como tem sido ensinado nas escolas e conceito com o qual as pessoas são limitadas pelos interesses dominantes.
Nesse conceito, de cidadania como exercício meramente político de votar e poder ser votado, o espaço se limita ao uso, à urbe. Mas há outro conceito de espaço: o de vivência.
A cidade vista como espaço de uso limita-se ao que coloquei como sendo o porcionamento (aqui), praticamente um “confinamento” nos espaços de periferia a que estão sendo submetidas as camandas menos abastadas (gentrificação). No máximo – e transitoriamente – às questões de mobilidade, considerando que o desenvolvimento econômico dos “guetos periféricos” não é lucrativo, é demorado e as pessoas ainda precisam se deslocar para o atendimento das classes mais abastadas. Uso é sobrevivência. Lembrando que ir aos parques e à orla aos domingos é tão somente uma necessidade de sobrevivência [a Orla do Guaíba, em particular, não passa de, como se diz no popular, “me engana que eu gosto”].
Viver uma cidade (vivência) é – ou deveria ser – muito mais que usar a cidade para sobreviver. A vivência é o exercício de uma cidadania plena.
A cidadania plena, no entanto, funda-se no princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de ambos os princípios estarem em pé de igualdade como fundamentos da República na Constituição.
Discordo. Cidadania sem dignidade é letra morta. Dignidade humana antecede e constitui a cidadania.
E isso é a vivência: o pleno reconhecimento da dignidade humana e a possibilidade do seu pleno exercício na cidade. No post anterior coloquei que “sem cidadania não existe a cidade”. Agora vou mais longe: sem dignidade humana não existe cidadania.
E quando, por interesses econômicos de uma minoria, afastamos pessoas para a periferia, no mais das vezes desprovida de condições de vida, nada mais estamos fazendo do que suprimir a dignidade humana.
Pensar a cidade é pensar, antes e acima de tudo, em como a cidade é o local, por excelência, da plenitude da dignidade humana.
E como fazer isso? Seguimos…
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