Gentrificação foi um “termo foi criado pela socióloga britânica Ruth Glass (1912-1990) ao identificar e explicar o processo de transformação socioespacial em bairros operários da cidade de Londres a partir de meados do século XX. A palavra “gentrificação” é derivada do inglês gentrification, que, em tradução livre, significa “enobrecimento” (aqui).

“A gentrificação geralmente aumenta o valor econômico de um bairro, mas o deslocamento demográfico resultante pode se tornar um grande problema social. A gentrificação, muitas vezes, vê uma mudança na composição racial ou étnica de um bairro e na renda familiar média à medida que a habitação e os negócios se tornam mais caros e os recursos que antes não eram acessíveis são ampliados e melhorados” (aqui).

A gentrificação, no mais das vezes, é vista apenas como um problema social e econômico: o deslocamento de classes menos abastadas para as periferias e a consequente ocupação dos espaços considerados “nobres” (sob os mais variados critérios), ou tornados nobres, pelas classes mais abastadas.

Há um viés, no entanto, que não ganha, a meu ver, a devida atenção e que chamo de a “gentrificação do pensar”. A expressão engloba dois significados: a apropriação do pensar a cidade por grupos e o porcionamento da cidade.

No primeiro caso, a academia, algumas associações de classe de especialistas e os políticos, tomam para si “o direito” de dizerem o que deve ou não ser a cidade. Afastam, com isso, a imensa maioria dos cidadãos, considerados que são, apenas como objetos destinatários dos pensadores e não como agentes que vivenciam a cidade e que, portanto, apesar de muitas vezes “desprovidos” de conhecimentos ditos “técnicos”, são os que mais “sentem” a cidade.

No segundo caso, o que chamo de porcionamento da cidade se traduz na prática corrente de as pessoas se preocuparem e lutarem apenas pelo seu bairro, pela sua praça ou parque. Ou, em casos mais extremos, pela árvore da sua rua que está sendo eliminada. A cidade é dividida em porções. Seus cidadãos também.

O orçamento participativo tem contribuído, nos últimos anos, para esse efeito. Resolvem-se problemas locais e pontuais. Amplia-se a alienação da cidade. Não que os problemas locais não sejam importantes – e são, claro – mas anos e anos de concentração local acostumou as pessoas a não verem necessidade de pensar a cidade como projeto, algo além, por exemplo, da mobilidade.

O Plano Diretor, atualmente em revisão, tem sido outro instrumento de gentrificação do pensar. Com sucessivas alterações unilaterais por parte da prefeitura – e de interesses outros – e com a apresentação de projeto que nada mais expressa do que a visão de um seleto grupo de interessados em se apropriar da urbanização (urbe) das zonas nobres, o centro estendido (centro histórico e bairros adjacentes).

É a gentrificação do pensar, o afastar a maior parte dos cidadãos do pensar e decidir que cidade querem e não que urbe lhes é imposta.

Esses cidadãos afastados são vistos, já pontuava Murray Bookchin (Municipalismo Libertário) “como simples eleitores ou contribuintes – quase um eufemismo para súditos – os habitantes da urbe tornam-se abstrações, meras criaturas do estado”.

É ainda de Murray: “A era moderna caracteriza-se pela urbanização, degradação do conceito de cidade (civitas, corpo político de cidadãos livres) em urbe (conjunto de edifícios, praças, isto é, o fato físico da cidade). Os dois conceitos foram distintos em Roma até a época imperial e é elucidativo que a sua confusão corresponda ao declínio da cidadania”. Como dizia Rousseau, citado por Murray, “as casas fazem o aglomerado urbano (ville) mas só os cidadãos fazem a cidade (cité)”.

A gentrificação elimina a cidadania e sem cidadania não existe a cidade, apenas a urbe. E, menos ainda, o pensar a cidade. Esse é o projeto pensado e deliberadamente imposto à cidade Porto Alegre: transformá-la em uso (urbe) em detrimento da vivência (cidade).

Estamos próximos de mais uma eleição municipal. Prefeito e vereadores. Será o momento certo para decidir se seremos apenas uma urbe ou uma cidade e responder a pergunta: a quem cabe pensar a cidade?

Finalizando com Murray: “quando a urbanização tiver anulado a vida da cidade a ponto de não ter mais identidade, cultura e espaço associativos próprios, as bases para uma democracia terão desaparecido e a questão das formas revolucionárias será mero jogo de sombras”.

https://www.escosteguy.net/wp-content/uploads/2023/08/900_Towseef-Dar_Porto-Alegre2.jpghttps://www.escosteguy.net/wp-content/uploads/2023/08/900_Towseef-Dar_Porto-Alegre2-150x150.jpgLuiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoGentrificação,Murray Bookchin,Porto AlegreGentrificação foi um 'termo foi criado pela socióloga britânica Ruth Glass (1912-1990) ao identificar e explicar o processo de transformação socioespacial em bairros operários da cidade de Londres a partir de meados do século XX. A palavra “gentrificação” é derivada do inglês gentrification, que, em tradução livre, significa “enobrecimento”...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!