Palavra do Dia: #66/2023 – Velho
LXVI – I – III – EL
Sexagésimo Sexto Dia do Primeiro Ano da Terceira Era Lula
Velho. Hoje em dia, qualquer coisa com mais de seis meses.
Das lembranças de infância, daquelas que nos impressionam e aos poucos vão formando nosso “ser”, guardo uma, que era achar meus pais “velhos”.
Minha mãe tinha 32 anos quando eu nasci. E meu pai 31. Quando descobri que tinha uma coisa chamada consciência, meus pais entravam nos 40. MInha primeira filha nasceu quando eu tinha 32. A segunda quando eu tinha 48. Velho!
Velhos!
Anos mais tarde descobri que velhice era uma questão cultural. De época. Ser adulto era o que hoje chamamos de velho. Gente sisuda, sempre séria. Regras. Cumpriam regras. Usavam bigode (meu pai usava) e cabelos curtos já com 30 anos (minha mãe usava). Roupas formais. Não tenho lembranças de ver meu pai de bermuda. E ele era esportista quando “jovem”. Mas virou adulto, teve uma profissão, casou, teve filhos e … virou virou velho.
Morreu com 46 anos. Velho. Pra mim, claro. Com certeza se sentiam jovens aos 40… Não sei. Como era criança na época e criança não tinha voz, contato, direitos, tinha que dormir cedo e chamar os pais por “senhor” e “senhora”, pouco soube deles. E isso fazia parte do “ser velho”: considerar que criança não existia. Criança estudava, obedecia e ficava de castigo. Quando não levava uma tunda de laço. E levei muitas. Tantas quantas o espírito rebelde que resolveu reencarnar em mim mereceu. Segundo, claro, o cânone dos velhos da época. Para eles era natural cagar a pau os filhos. E quando não usavam de violência física, usavam da pior violência psicológica imaginável: vais ficar sem sobremesa! Ou, então, uma muito comum: “levanta da mesa e vai pro quarto. De luz apagada!”
Nunca soube deles, do que sentiam, do que pensavam, dos desejos, das dores. Sequer da minha mãe, com quem tive convívio depois de adulto. Foram ensinados a não partilhar com os filhos. Não ao menos comigo. Com meus irmãos? Não sei. Minha mãe era dedicada, carinhosa, compreendia os filhos, fez de tudo pelos filhos, mas era “velha”. Morreu com 86. Poderiam estar vivos: 98 e 97.
Não por menos a chamava, carinhosamente, de “velha”. Um dia tive que explicar que “velha” era uma forma carinhosa de me dirigir a ela.
Hoje em dia qualquer um é “véio”. Tá no sangue a coisa do velho. Véio é carinhoso. E eu já fazia isso muito tempo antes.
Velho era uma coisa que hoje não existe mais: distância entre gerações. E a distância entre as gerações se estabelecia pelo acesso ao conhecimento, pelo acesso às experiências da vida.
Ontem vi, na parada do ônibus, uma “velha” que aparentava ter mais de 70 anos. Pensei. Gente, essa “velha” fez a revolução cultural nos anos 60! Imaginei: ela foi hippie, fez “amor livre”, quem sabe foi a Woodstock (imaginação é tudo…), usou calça boca de sino, curtia Janis Joplin, dançou feito louca nas discotecas (já um pouquinho “velha pra essas coisas”)…
Curtiu The Mamas and the Papas, Credence, Peter, Paul and Mary, Beatles, Roling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin, Yes, The Who, viajou ao som da sítara do Ravi Shankar, amou secretamente Bob Dylan, Eric Clepton… uau! Recordar é coisa de velho!
E depois teve uma profissão, casou, teve filhos e.. virou velha.
Não temos mais isso. MInhas filhas são gente e sabem que o pai delas é gente (ao menos penso isso de mim mesmo…).
Mas a sociedade insiste na cultura da velhice. Sem falar na cultura do preconceito.
Precisamos mudar tanta coisa na nossa sociedade, que penso que vou chegar na velhice sem ver as mudanças…
Ok, velhice é algo depois dos 120 anos…
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