Vamos supor, mas apenas supor, que eu ainda tenha mais uns trinta anos pela frente. Se, e somente se, eu chegar até lá lúcido, será que poderia pensar, hoje, que ainda há tempo?

Não, a pergunta mais importante não é “tempo para quê?” e, sim, o que foi feito do tempo já usado. Nascidos em classe média, embarcamos em um trem com vagões definidos e no último vagão. Nossa tarefa é avançar, de vagão em vagão, até chegar na locomotiva e pensar que somos donos do destino, esquecendo que estamos em cima de trilhos que nos levarão, inexoravelmente, ao mesmo ponto final.

Os vagões vão se sucedendo: estudar para entar no segundo vagão, a faculdade. Se formar para entrar no terceiro vagão, o trabalho; seguir se esforçando para entrar no terceiro: casar. “Treinar” bastante para o quarto: ter filhos. O quinto vagão é o de passagem mais demorada: seguir trabalhando, de preferência casado e educando os filhos até que eles entrem no último vagão e iniciem suas trajetórias no trem.

Eventualmente podemos conviver no mesmo vagão: pais e filhos trabalhando, casados e cuidando dos filhos. Mas hora há quando devemos avançar e deixar os filhos e netos no vagão anterior. Hora de saltar fora do trabalho e, se não tiver feito isso antes, hora de saltar fora do casamento.

É a hora que pensamos ter chegado na locomotiva. Ilusão. Apenas chegamos ao mais penoso dos vagões. E descobrimos que a locomotiva não está ao nosso alcance. Nunca esteve.

O que me leva a ditos de auto-ajuda: não importa o destino, a locomotiva, mas o caminho, os vagões.

Supondo que ainda tenha mais trinta anos e sabendo que a locomotiva pode estar logo ali, depois desse vagão que entrei, creio que o melhor é sentar e tomar um vinho. Afinal, 30 ainda é um terço do total.

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